Antes das Clássicas, das grandes Voltas e de todo o rebuliço mediático, o jornal L’Équipe foi à procura de um dos homens que mais divide a crítica, Thomas Voeckler. A forma atacante como corre e o fato de falar com frontalidade (e alguma dose de provocação) torna-o num ídolo para muitos franceses, estatuto que saiu reforçado depois de ter andado 10 dias de amarelo no Tour no ano passado e ter finalizado a corrida no 4º lugar da geral.
Mas nem tudo são rosas, já que esta personalidade rebelde coloca-o sob a mira dos colegas. “Desde há alguns anos sou o corredor francês mais popular, talvez o preferido, mas, ao mesmo tempo, em cada dez ciclistas no pelotão há nove que não gostam de mim”, explica ao diário desportivo gaulês.
E que consequências tem esse sentimento? “Não me destabiliza. No início era um pouco duro, sobretudo a nível internacional. Dentro do pelotão francês não me apercebi logo que irritava as pessoas, mas no estrangeiro sim. Aí funciona à antiga, com diferença de estatuto bem vincada entre os mais veteranos e os jovens. Quando se era como eu, jovem e um fala-barato, tem-se tudo para agradar! Por isso quando eu atacava ouvia coisas do género ‘lá está este a meter nojo’”.
Como exemplo prático do que diz, Voeckler recorda que “no Tour de 2006, o belga Tom Boonen, campeão do mundo em título, ia na cabeça do pelotão a ditar o ritmo, a armar-se em chefe. No momento em que lancei um ataque ele bate-me violentamente nas costas. Parei, olhei para ele e disse ‘Grita se quiseres, mas não me toques’. Eu era o pequeno francês em quem ele podia bater porque tenho menos 30 centímetros do que ele. Qualquer que seja o palmarés de um ciclista, ninguém tem o direito de fazer isso a um tipo que quer atacar. Não me esqueço disso. Alguns, como o Mizourov (na altura na Astana), ameaçavam atirar-me bidons (caramanholas) à cara se eu atacasse”.
“CIPOLLINI DIZIA ONDE SE PODIA ATACAR”
O sentimento foi mudando e hoje é algo diferente, mas Voeckler ainda se recorda de um capítulo caricato de quando começou a correr. Conta o francês que “quando conheci o Mario Cipollini, no início de cada etapa do Giro ele pegava no livro de corrida para dizer aos corredores onde tinham o direito de atacar! Isso foi no meu início, em 2001, era outra época. E os tipos obedeciam-lhe”.
Apologista das irreverências da juventude, para Voeckler mais vale “um jovem que diga ‘vou partir tudo’, do que outro que vá limpar o equipamento dos mais velhos”. O lugar do ciclista da Europcar no pelotão está hoje mais consolidado, “mas isso não quer dizer que eles gostem mais de mim. Os meus resultados modificaram a situação, mas no ciclismo é preciso ter estatuto para ter o direito de falar, para ser respeitado”.
PAI DESAPARECEU NO MAR EM 1992
Inegável é a influência do pai na ligação do ciclista à modalidade, tudo por causa de um Verão passado na Alsácia (de onde o francês é natural) durante o qual o pai lhe ofereceu uma Géant violeta que Voeckler nunca mais esqueceu.
A paixão pelo mar levou a família até à Ilha da Martinica. O pai tinha um veleiro no qual fez três travessias do Atlântico, isto antes de desaparecer em alto mar em 1992, muito antes de poder ver o jovem Thomas a triunfar no ciclismo: “Cada um tem a sua história, mas perder o pai aos 13 anos – especialmente quando há uma perda e não há nada de concreto – deixa marcas. Em competição, corri muitas vezes por ele mas era quase inconsciente. Ir aos limites da dor física era uma forma de combater essa tristeza. Está claro que o meu comportamento em cima da bicicleta está ligado às condições nas quais comecei a correr”.
DOPING NO TOUR? "COMPREENDO QUE TENHAM SUSPEITADO"
Aos 32 anos e com planos para correr “mais duas ou três temporadas”, Voeckler não quer permanecer ligado ao ciclismo imediatamente após a retirada. “Vou aproveitar os meus filhos. Diretor-desportivo talvez um dia. O mais gostava era ter uma pequena loja com a minha esposa, talvez de roupa porque é a área da Julie (a mulher)”.
Homem de sonhos simples, Thomas Voeckler sente-se um privilegiado e explica porquê: “Não sei se tive a sorte ou o azar de nunca ter trabalhado. Tenho amigos ciclistas como o Sylvain Chavanel e o Sebastien Turgot que trabalharam numa fábrica antes de serem pagos para se dedicarem ao ciclismo. Isso permite-nos ter a consciência da oportunidade que temos”.
Gosta de correr sem o rádio, nunca começa uma prova sem passar a pente fino todo o material e compreende os que dele suspeitaram depois da espetacular Volta a França. "Quando vemos todos os casos que aconteceram em anos anteriores... Até eu fiquei admirado, mas descobri capacidades na alta montanha, eu que dizia que acima de 6 por cento era demais para mim".
Assim é Thomas Voeckler, frontal e simples, um ciclista que compensa a falta de empatia no pelotão com a admiração dos adeptos de um ciclismo mais romântico.
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