Flagra de desrespeito à distância obrigatória de 1,5 mt prevista no artigo 201 do CTB - Crédito: Polly Rosa |
Amanhã, dia 28 de outubro, faltará exatamente um mês para a audiência do motorista de ônibus Márcio José de Oliveira, que atropelou e matou a Márcia Prado em janeiro de 2009. Ao tentar ultrapassar Márcia, o motorista não respeitou a distância de 1,5 mt prevista no artigo 201 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) (ele tirou uma fina mesmo) e, literalmente, passou por cima da cabeça dela, matando-a na hora – Márcia usava capacete.
Há pelo menos cinco meses estou tentando escrever uma reportagem que tem um único foco, uma única pergunta: por que os agentes da CET (os marronzinhos) não estão autorizados a aplicar multa com base no artigo 201 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), que prevê a distância de 1,5 mt que o motorista deve ter em relação ao ciclista. Apenas policiais militares têm autorização para aplicar essa multa específica, mas eles não o fazem porque são completamente despreparados para essa tarefa – faça o teste e pergunte a alguns PMs se eles sabem o que prevê o artigo 201. Em 2010, segundo informação da CET, apenas TRÊS multas com base nos artigos 201 e 220 (que obriga o motorista a reduzir a velocidade nas ultrapassagens) foram aplicadas em São Paulo (a CET, contudo, não soube informar quantas dessas 3 multas se referiam ao 201).
Nos últimos dois meses intensifiquei a apuração sobre o mistério do 201. Entrevistei uma especialista em medicina do trânsito para falar sobre acidentes envolvendo ciclistas, pedi a ajuda de um agente da CET para que, informalmente, contabilizasse o número de casos de desrespeito ao 201 que ele flagrasse; pedi a amigos ciclistas que contabilizassem o número de finas que receberam em um dia de pedal nas ruas e, principalmente, entrei em contato com o Denatran (Departamento Nacional de Trânsito), com a CET e com a Secretaria Municipal de Transportes de São Paulo para que me dessem uma posição técnica e legal sobre o tema. Assessores de imprensa e assessores de autoridades foram absolutamente morosos, confusos e às vezes até arrogantes nas respostas – passaram informações que eu sabia que estavam erradas, eu os questionei, eles insistiram no erro e, dias depois, me ligaram ou escreveram para dizer que se equivocaram. No fim das contas, CET e Denatran lavaram as mãos e jogaram um ao outro a responsabilidade pela não aplicação do 201 – e enquanto ninguém assume a batata quente, você e eu, ciclistas urbanos, é que temos que nos virar nos malabarismos sobre rodas pra desviar de gente que dirige pra matar.
Depois de dezenas (de-ze-nas) de emails enviados e telefonemas dados, houve pelo menos um consenso: o que CET e Denatran disseram é que o artigo 201 não é aplicado porque o marronzinho não consegue medir, a olho nu, a distância de 1,5mt. Ok. Não consegue. Então temos aí um problema técnico na redação da lei, confere? Se fosse bem redigido, aplicável e sua infração devidamente autuada nas ruas da cidade, o artigo 201 poderia ajudar a criar a cultura do respeito à distância segura do motorista em relação ao ciclista e, assim, evitar crimes como o cometido contra a Márcia em 2009.
E lá fui eu perguntar, mais uma vez, quem poderia falar sobre essa questão técnica da lei, explicar como essa falha poderia ser solucionada para que o artigo fosse aplicado e os motoristas, de uma vez por todas, passassem a respeitar os ciclistas nas ruas – se não é por respeito à vida humana, que seja pelo medo de tomar multa. “Gostaria de saber o que pode ser feito, do ponto de vista técnico, para que a lei seja passível de ser aplicada pelos agentes de trânsito, se ela precisa ser mudada, se os agentes precisariam de algum aparelho especial, de algum treinamento especial, etc”. Foi isso o que perguntei no email enviado no dia 21 de outubro à assessoria de imprensa do Denatran, em Brasília. No final do email, pedi que me indicassem um técnico para que eu pudesse entrevistá-lo. E vejam que primor de resposta recebi no dia 24 de outubro:
“Sabrina, em atenção à consulta ora formulada, passamos a informar, nos termos a seguir. A operacionalização do art. 201 do Código de Trânsito Brasileiro é bastante difícil, uma vez que há que se observar a distância de um metro e cinquenta. Assim, entendemos que será possível autuar pelo art. 201 do CTB quando for possível a abordagem OU QUANDO OS VEÍCULOS SE ESBARRAREM, DE FORMA QUE FIQUE CARACTERIZADO QUE A DISTÂNCIA NÃO FOI OBSERVADA“. (o negrito e CAPS LOCK são meus).
Ou seja: a autuação pela infração do artigo 201 será feita no exato momento em que a lei for descumprida, no momento em que uma tonelada de ferro e vidro se deslocando com velocidade maior que a sua, ciclista, estiver esbarrando no seu corpo – com sorte, o motorista infrator não estará esbarrando as rodas do veículo dele na sua cabeça (por via das dúvidas, use capacete).
Não satisfeita com a resposta (e chocada com o nível de non sense), enviei um outro email dizendo que eu PRECISAVA entrevistar um técnico do Denatran. A assessora respondeu que “infelizmente os técnicos não falam com os jornalistas. Quem nos respondeu foi a área jurídica/ fiscalização”. Enviei um outro email INSISTINDO no pedido de entrevista pessoal com alguém do Denatran. Isso foi no dia 24 de outubro, mas até agora não recebi resposta. Hoje pela manhã liguei para a assessora em Brasília. Ela estava ao telefone. Deixei meu contato e ainda aguardo retorno. Seguirei tentando a entrevista. São perguntas simples feitas a pessoas que, dado o caráter de serviço público do seu trabalho e influência direta na vida das pessoas, têm obrigação de dar uma satisfação aos interessados – nesse caso, você, eu e todos os ciclistas urbanos. Não pode ser algo tão difícil e nebuloso assim. Ou pode? Pelo bem da nossa vida, esperamos que não.
Lembre-se: a audiência do motorista que matou a Márcia é no dia 28 de novembro, às 2:30pm, no Fórum Central Criminal da Barra Funda (Av. Dr. Abraão Ribeiro, 313). O processo é público e você pode consultá-lo no fórum, basta levar esse número: 050.09.013030-8. A audiência também é pública. Divulgue, compareça, pressione.
Fonte: Sabrina Duran (Na Bike)
Olá Sabrina,
Ótima iniciativa, entretanto já há uma saída aos ciclistas que como eu e você não podem esperar. Fui orientado em uma delegacia do Rio de Janeiro por um inspetor de polícia a ignorar o CTB em situações de risco como a que o 201 tenta evitar. O motivo é simples, CTB dá punições meramente administrativas (multa, por exemplo). Muitos podem pagar e continuam o terrorismo. O lance é aplicar o código penal com os artigos de tentativa de lesão corporal (ou homicídio se for uma fina muito grave) e, caso ocorra choque/tombo, o artigo de lesão corporal. O CTB foi feito para os carros e os motoristas. Na péssima relação destes com pedestres e ciclistas o que vale é ir à DP, de preferência com testemunhas e denunciar a tentativa de lesão corporal. Já fiz e dá muito mais resultado que o CTB.
Abraços
Edu